A agonia das loterias esportivas?

A notícia da semana sobre as mudanças nas loterias esportivas (Loteca e Lotogol) continua a repercutir, com discussões no Orkut e em comentários de blogs. Tudo continua vago, pois as declarações dos dirigentes da Caixa pouco indicaram sobre quais serão, efetivamente, as mudanças e quando acontecerão.

A notícia, como eu havia comentado, não chega a ser inesperada. Em junho do ano passado, Pietro Veronese assinava um artigo na “La Repubblica” (o maior jornal italiano) com o sugestivo título de “Con il Totocalcio in agonia scompare un pezzo d’Italia” (“Com o Totocalcio — a Loteca de lá — em agonia desaparece um pedaço da Itália”). O desolador cenário descrito, com a queda vertiginosa dos vértices dos anos ’50-’60 e uma manutenção sofrida até os anos ’90, a conseqüente diminuição dos monteprêmios, o desaparecimento das referências à loteria na linguagem do dia-a-dia e principalmente a dupla concorrência das loterias de pura sorte (a Superenalotto e a WinForLife) e das apostas on-line (da própria Sisal italiana, da Bwin, etc. etc.) é incrivelmente similar ao brasileiro. Substituam a Aams pela Caixa Econômica Federal, o Totocalcio pela Loteria Esportiva, a Superenalotto pela Megasena, dêem uma aparada nas datas e pronto: em linhas gerais está traçado nosso cenário.

Fato é que estas mudanças são de origem administrativa e social. Administrativa, porque os organizadores das loterias mostraram gradualmente uma preferência pelas loterias de pura sorte, principalmente quando o rateio é composto de poucos prêmios milionários (não de raro acumulados) inclusive por não se mostrarem capazes (e no caso do Brasil, pela impossibilidade legal e técnica) de fazer frente aos sites de apostas. Social, porque por mais que se preguem milagres econômicos (tanto aqui quanto lá), a percepção das diferenças sociais/econômicas dentro da população (principalmente quanto são entendidas como não merecidas) favorecem exatamente este tipo de loteria no qual o valor de um prêmio passa a contar mais que a chance de obtê-lo. É uma afirmação difícil de comprovar, eu sei, mas uma análise histórica diacrônica (as loterias ao longo da história, e o sucesso do Totocalcio na Itália pós-guerra e da Loteria esportiva no Brasil do milagre econômico) e sincrônica (os bingos em família, onde muito mais que o prêmio conta vencer os parentes e amigos) parece comprová-lo.

A maioria dos apostadores preferiria jogos de sorte com altíssimos mas improváveis prêmios, nos quais o conhecimento do assunto (o futebol) não faria diferença até pelo arrefecimento do convívio social que o motivava (como os tios que se juntavam ao final do churrasco para conferir suas diferentes apostas que haviam sido discutidas durante a semana). Neste sentido, faz algum sentido a alegação da CEF de que estas loterias “envelheceram”, mas como será o tal “rejuvenescimento”? Temos certeza de que não será o vestir um idoso com roupas de adolescente, não apenas tornando-o incapaz mas privando-o de toda sua história?

O que a Caixa deveria entender, ou talvez melhor “admitir”, é que mais do que nunca o perfil do apostador em jogos de sorte e de habilidade é diferente. Quem deseja grandes prêmios só pelo preencher um volante não irá passar às loterias esportivas; quem deseja se divertir com seus conhecimentos esportivos não irá confundir a Timemania com uma loteria esportiva. Ao máximo, e o que parece ser provável, este último grupo migrará em parte para as apostas on-line, não apenas privando a Caixa e o Ministério dos Esportes de seu financiamento indireto, mas efetivamente enviando dinheiro para fora do país.

E não se trata de imaginar que não há alternativas: baste ver o caso da La Quiniela na Espanha, uma loteria esportiva que ainda segue forte. Além de consultar os apostadores da Loteca e da Lotogol sobre o que realmente desejariam, creio que a Caixa deveria considerar os seguintes pontos:

  • Divulgar e garantir as apostas; a propaganda das loterias geralmente esquece por completo das loterias esportivas e nem é raro chegar em alguma casa lotérica e simplesmente não encontrar volantes para alguma destas (aconteceu comigo esta semana, com a Lotogol — felizmente uma lotérica a 200 metros tinha uns 40 volantes disponíveis);
  • Entender que não poderia nem deveria competir com as apostas on-line: nestas basta ao apostador acertar um critério (resultado, gols…) em um jogo de sua escolha num universo de centenas; na loteria esportiva trata-se de acertar um único critério (1X2 ou placar) em um grupo de jogos que não é de sua escolha;
  • Em função do ponto acima, incluir apenas jogos que efetivamente um apostador médio pode conhecer: incluir jogos do campeonato paraense para apostadores fora do Pará é, efetivamente, reduzir o jogo a uma loteria de sorte — além disto, a inclusão de alguns jogos de ligas européias quando não há jogos importantes no Brasil seria um chamativo não desprezível;
  • Manter o preço da aposta baixo é um fator essencial: o apostador esportivo da Caixa quer ganhar, evidentemente, mas se realmente quiser considerar suas apostas como um investimento migraria para as apostas on-line; o fundamental é o vencer, não tanto o quanto, e por isto o preço da aposta mínima não deveria nunca ultrapassar R$ 1,00 — melhor ainda, deveria ser facultada a chance de apostar quanto se quisesse (neste ponto sim, fazendo concorrência às loterias on-line), grosso modo como funciona atualmente na Lotogol;
  • Oferecer prêmios do rateio a todos os acertos que realmente estão acima de uma média estatística (em função de todos os apostadores) e probabilística (calculada) de acertos — por exemplo, 12 acertos na Loteca não pagarem nem mesmo quando não há acertadores nas 14 faixas é a dizer pouco ridículo;
  • Novamente, considerar o tipo de apostador e oferecer-lhe todos os dados e vantagens que merece — da mesma forma que nas loterias esportivas européias, por exemplo, seria utilíssimo saber quantos apostadores apostaram em cada placar ao final do concurso, bem como seria de extrema utilidade dar alguma noção sobre os critérios para escolha das partidas;
  • Lembrar sempre como para a Caixa e para o Ministério dos Esportes é simplesmente impossível não ganhar dinheiro com as loterias esportivas havendo um mínimo de apostadores — vale muito mais manter estes por perto, para gradualmente aplicar as mudanças necessárias, do que simplesmente extinguir as loterais esportivas esperando uma migração completa para as loterias de aposta.

Adoraria ouvir as sugestões dos demais, deixem comentários aqui em baixo, por favor.

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